FEIJOADA - CARDÁPIO DE 18/06/16
A
Feijoada é um
prato que consiste em guisado de feijão com carne, normalmente acompanhado com
arroz. É um prato com origem no Norte de
Portugal, e que,
hoje em dia, constitui um dos pratos mais típicos da cozinha brasileira. Em Portugal, cozinha-se com feijão branco no noroeste (Minho
e Douro Litoral) ou
feijão vermelho no nordeste (Trás-os-Montes), e geralmente inclui também
outros vegetais (tomate, cenouras ou couve) juntamente com a carne de porco ou
de vaca, às quais se podem juntar chouriço, morcela ou farinheira.
No
Brasil, é feita da mistura de feijões pretos e de vários tipos de carne de porco e de boi, e chega à mesa acompanhada de farofa, arroz branco, couve refogada e laranja fatiada, entre outros
ingredientes. Em Portugal, esta
versão da feijoada é conhecida como feijoada à brasileira,[1] [2] sendo também comum encontrá-la
nos cardápios dos restaurantes portugueses, para além das feijoadas
portuguesas.[3]
História
A
explicação popular mais difundida sobre a origem da feijoada é a de que os
senhores – das fazendas de café, das minas de ouro e dos engenhos de açúcar –
forneciam aos escravos os
"restos" dos porcos, quando estes eram carneados. O cozimento desses
ingredientes, com feijão e água,
teria feito nascer a receita. Tal versão, contudo, não se sustenta, seja na
tradição culinária, seja na mais leve pesquisa histórica. Segundo Carlos
Augusto Ditadi, especialista em assuntos culturais e historiador do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, em artigo
publicado na revista Gula, de maio
de 1998, essa alegada origem da feijoada não passa de lenda contemporânea,
nascida do folclore moderno,
numa visão romanceada das relações sociais e culturais da escravidão no Brasil.
O padrão
alimentar do escravo não difere fundamentalmente no Brasil do século XVIII. Continuava tendo como base a
farinha de mandioca ou de milho feita com água e mais alguns
complementos, ou seja, o que fora estabelecido desde os primórdios. A sociedade
escravista do Brasil, no século XVIII e parte do XIX, foi
constantemente assolada pela escassez e carestia dos alimentos básicos, em
decorrência da monocultura, da dedicação exclusiva à mineração e do regime de
trabalho escravo, não sendo raros os óbitos por alimentação deficiente,
incluindo a morte dos próprios senhores.
O escravo
não podia ser simplesmente maltratado, pois custava caro e era a base da
economia. Devia comer três vezes ao dia. Geralmente almoçava às 8 horas da
manhã, jantava à 1 hora da tarde e ceava por volta de 8 ou 9 horas da noite.
Nas referências históricas sobre o cardápio dos escravos, constatamos a
presença inequívoca do angu de fubá de milho, ou de farinha de mandioca, além do feijão
temperado com sal e gordura, servido muito ralo e a ocasional aparição de algum
pedaço de carne de vaca ou de porco. Alguma laranja colhida do pé complementava o
resto, o que evitava o escorbuto. Às
vezes, em final de boa colheita de café, o capataz da fazenda podia até dar um
porco inteiro aos escravos. Mas isso era exceção. Não existe nenhuma referência
histórica reconhecida a respeito de uma humilde e pobre feijoada, elaborada no
interior da maioria das tristes e famélicas senzalas.
Existe
também um recibo de compra pela Casa Imperial, de 30 de abril de 1889, em um açougue da cidade de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, no
qual se vê que consumiam-se carne verde, de vitela, carneiro, porco, linguiça, linguiça de sangue, fígado, rins,
língua, miolos, fressura de boi e
molhos de tripas. O que comprova que não eram só escravos que comiam esses
ingredientes, e que não eram de modo algum "restos". Ao contrário,
eram considerados iguarias. Em 1817, Jean-Baptiste Debret já relata a regulamentação da profissão de tripeiro, na cidade do Rio de Janeiro, que eram vendedores
ambulantes, e que se abasteciam destas partes dos animais em matadouros de gado
e porcos. Debret também informa que os miolos iam para os hospitais, e que
fígado, coração e tripas (de vaca, bois e porcos) eram utilizados para se fazer
o angu, comumente vendido por escravas de
ganho ou forras nas praças e ruas da cidade.
Dessa prática, surge o que, no Rio de Janeiro, se denomina "angu à
baiana", principalmente porque leva, em sua composição, o azeite de dendê (azeite de palma).
Portanto, a sua criação e nome
tem relação com modos de fazer portugueses, das regiões da Estremadura, das
Beiras e de Trás-os-Montes e
Alto Douro, que misturam feijão de vários
tipos - menos o feijão preto
(de origem americana) - linguiças, orelhas e pé de porco. De fato, os cozidos são comuns na Europa, como o cassoulet francês, que também leva feijão no seu preparo. Na
Espanha, o cozido madrilenho e a fabada asturiana e, na
Itália, a casseruola ou casserola milanesa são
preparados com grão-de-bico.
Aparentemente, todos estes pratos tiveram evolução semelhante à da feijoada,
que foi incrementada com o passar do tempo, até se transformar no prato da
atualidade. Câmara Cascudo observou
que sua fórmula continua em desenvolvimento.
A feijoada
já parece ser bem conhecida no início do século XIX, como atesta um anúncio,
publicado no Diario de Pernambuco, na cidade do Recife, de 7 de
agosto de 1833, no qual um restaurante, o Hotel Théâtre, recém-inaugurado,
informa que às quintas-feiras seria servida "feijoada à brasileira".
Em 3 de março de 1840, no mesmo jornal, o Padre
Carapuceiro
publicava um artigo, no qual dizia:
Nas
famílias onde se desconhece a verdadeira gastronomia, onde se tomam
rega-bofes, é prática usual e comezinha converter em feijoada os fragmentos
do jantar da véspera, ao que chamam enterro dos ossos [...] Lançam-se em uma
grande panela ou caldeirão restos de perus, de leitões assados, fatacões de
toucinho e de presunto, além disto bons vassalhos de carne seca vulgo ceará,
tudo vai de mistura com o indispensável feijão: fica tudo reduzido a uma
graxa! [4]
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Em 1848,
o mesmo Diário de Pernambuco já anunciava a venda de "carne de toucinho,
própria para feijoadas, a 80 réis a libra". No dia 6 de janeiro de 1849,
no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, é comunicado que a recém instalada casa de pasto
"Novo Café do Commércio", junto ao botequim da "Fama do Café com
Leite", servirá em todas as terças e quintas-feiras, a pedido de muitos
fregueses, "A Bella Feijoada à Brazilleira".
A
feijoada, de qualquer forma, se popularizou entre todas as camadas sociais no
Brasil, sempre com espírito de festa e celebração, longe de rememorar escassez.
Ficaram famosas na lembrança, aquelas preparadas no final do século XIX e
início do XX, na cidade do Rio de Janeiro, pela baiana Tia Ciata.
E
anteriormente, o escritor Joaquim José de França Júnior, em
texto de 1867, descreve ficticiamente um piquenique no campo da Cadeia Velha,
onde é servida uma feijoada com "(...) Lombo, cabeça de porco, tripas, mocotós, língua do Rio
Grande, presunto, carne-seca, paio, toucinho, linguiças (...) ", e, em
1878, descreve uma "Feijoada em [Paquetá]", onde diz que: "
(...) A palavra "feijoada",
cuja origem perde-se na noite dos tempos d’El-Rei Nosso Senhor, nem sempre
designa a mesma coisa. Na acepção comum, feijoada é a iguaria apetitosa e
suculenta dos nossos antepassados, baluarte da mesa do pobre, capricho efêmero
do banquete do rico, o prato essencialmente nacional, como o teatro do Pena, e
o sabiá das sentidas endeixas de Gonçalves Dias. No sentido figurado, aquele
vocábulo designa a patuscada, isto é, "uma função entre amigos feita em
lugar remoto ou pouco patente" (...)".
Atualmente,
espalha-se por todo o território nacional, como a receita mais representativa
da cozinha brasileira. Revista, ampliada e enriquecida, a feijoada deixou de
ser exclusivamente um prato. Hoje, como também notou Câmara Cascudo, é uma refeição completa.
Bibliografia
·
CASCUDO, Luís da Câmara (1983). História da
Alimentação no Brasil 2ª ed. (Rio de Janeiro: Itatiaia).
·
DITADI, Carlos Augusto Silva - Cozinha Brasileira: Feijoada Completa-
Revista Gula, n. 67, Editora Trad, São Paulo. 1998.
·
EL-KAREH, Almir Chaiban - A vitória da feijoada - Niterói :
Editora da UFF, 2012. ISBN 978-85-228-0665-2.
·
ELIAS, Rodrigo - Breve História da Feijoada - Revista Nossa
História, ano 1, n. 4, Editora Vera Cruz, São Paulo. Fevereiro de 2004. http://www.scribd.com/doc/28427028/Historia-da-Feijoada
·
FIGUEIREDO, Guilherme - Comidas, Meu Santo - Rio de Janeiro,
Editora Civilização Brasileira. 1964.
·
FRANÇA JÚNIOR, Joaquim José da. Histórias e Paisagens do Brasil.
Sd.
·
FRANÇA JÚNIOR, Joaquim José da. Política e Costumes; Folhetins
Esquecidos (1867-1868). Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1957.
Coleção Vera Cruz, 6.
·
NAVA, Pedro, - Baú de Ossos, Memórias 1 - 4ª ed. Rio de
Janeiro : Livraria José Olympio Editora. 197
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